A armadilha de idealizar o parceiro baseado em outras pessoas
30 abr 2017
Se você for a uma loja hoje e comprar um carro zero quilômetro, certamente passará um bom tempo “namorando” o carro novo. Durante semanas você se surpreenderá ao descobrir novas funcionalidades do carro, conhecerá a forma como ele se comporta na subida, na descida, na estrada, e ficará até mesmo ansioso pelo momento de sair com o carro novamente. Algumas das descobertas te deixarão positivamente surpreso e feliz, outras podem até te desagradar, mas com o tempo você se adequará a tudo.
Meses depois, porém, você já conhecerá o carro a fundo, e conseguirá prever como o carro vai reagir a cada situação, por simples experiência. Acionar qualquer comando do veículo será tarefa simples e até mesmo automática, já que todos os botões e alavancas estão internalizados em seu cérebro. Dirigir o veículo deixará de ser uma experiência nova, e passará a ser uma tarefa corriqueira, embora não queira dizer que você tenha deixado de gostar do carro.
Ainda que não seja aconselhável comparar pessoas a produtos, a analogia do carro se aplica perfeitamente bem aos relacionamentos. Quando se conhece alguém, ocorre um encantamento e constante surpresa a cada nova descoberta sobre o outro. Somos tomados por total empolgação, e muitas vezes, segundo estudos científicos, somos incapazes de enxergar os pontos negativos do novo parceiro, graças ao alto nível de dopamina liberado em nosso cérebro. A ciência explica que o conhecimento superficial nos deixa propensos a enxergar o outro com melhores olhos.
Com o tempo a relação tende a se estabilizar. A ideia de que não é mais preciso conquistar o outro pode fazer com que a relação seja negligenciada, investindo menos que o necessário em novas e boas experiências. Por conhecer o parceiro a fundo, será possível saber de cor todos os seus gostos, ideias e princípios. Baseado nisso, muitas de suas ações se tornarão previsíveis. Ao presenciar um fato você será capaz de adivinhar como o parceiro vai reagir.
Pode ser que nesse período surja, no trabalho, na faculdade ou no apartamento vizinho, alguém novo e interessante. Alguns, nesse caso, usam o conhecido como um exemplo, um modelo do que gostaria que seu parceiro fosse. Você poderá se cobrar ou até cobrar o parceiro por não ser da forma como você agora gostaria. Você pode até mesmo desejar que seu parceiro seja diferente após conhecer o namorado de uma amiga, alguém completamente novo e legal.
A idealização ou até mesmo a cobrança tem pouquíssimas chances de contribuir positivamente para a relação. A primeira contribui negativamente, haja vista que traçar um parceiro ideal, livre de defeitos, que mescle suas qualidades com as qualidades de qualquer outra pessoa, é mera utopia. A segunda atua negativamente pois a simples cobrança deixa o casal propenso ao conflito, ao distanciamento e à necessidade de autoafirmação.
Entenda que o novo conhecido é alguém com quem você não tem obrigações, é alguém cujas decisões da vida pessoal dele não interferem em nada na sua vida, logo vocês não precisam discutir a cada tomada de decisão. Não conviver com o outro por longos períodos é o que te impede de conhecer seus defeitos, pois certamente ele também tem defeitos, todos temos. É exatamente essa ausência de obrigação que faz com que qualquer pessoa pareça ter apenas “partes boas”.
Se o comportamento de um novo conhecido despertou em você saudades dos tempos em que a relação era nova, alegre e empolgante, é uma ótima ideia pensar formas de atrair novidades para a relação. Ainda que conheça a fundo seu parceiro, vocês certamente não viveram todas as experiências possíveis juntos, e são as experiências que poderão nutrir a relação de coisas novas. Por isso, faça um esforço para tirar a relação do comodismo. Convide-o para conhecer um novo restaurante, passar o final de semana em uma cidade que nunca foram, cozinhar juntos uma receita ousada, ir ao cinema ou a uma peça de teatro, arriscar novas experiências sexuais, enfim, coloque elementos novos na rotina do casal.
Pode ser que as novas ideias causem resistência no outro que, tão acostumado a uma mesma rotina, se assuste com o repentino desejo de inovar. Nesse caso é necessário entender a reação do companheiro, e vale até mesmo abrir o jogo, dizer que está sentindo a necessidade de coisas novas. Se ele não gostar das sugestões, pergunte o que ele gostaria de fazer e tracem ideias juntos, sempre expondo o seu desejo de fazer coisas novas e o quanto isso será benéfico para vocês e para a relação.
Mestre em Psicologia pela Puc Minas, Ana Carolina Morici dá aulas de Pós-Graduação no Curso de Psicoterapia de Família e Casal da Puc Minas, e também no Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
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